Antes de tudo, um resumo da história: o livro começa em 1985 quando Mike Hanlon, um habitante da cidade de Derry, liga para seus seis amigos de infância alertando que a Coisa voltou a atacar e os convoca para voltar e lutar contra ela. Os seis amigos – Bill, Beverly, Stan, Richie, Eddie e Ben – estão espalhados em diferentes lugares do mundo. Mas todos topam voltar para enfrentar a Coisa.
Conforme eles voltam, o leitor é apresentado a flashbacks contando o que aconteceu na primeira vez em que eles enfrentaram a Coisa, em 1958, quando eram crianças. Na época, além de enfrentarem problemas como bullies e pais negligentes, os sete também tiveram que lidar com uma onda de assassinatos infantis e descobriram que o responsável era uma criatura que mudava de forma. Entre as vítimas estava George, o irmão mais novo de Bill. Após muitas preparações, eles procuram a toca da Coisa no esgoto e a enfrentam, ferindo-a gravemente. De volta a 1985, o grupo (com exceção de Stan, que prefere cometer suicídio a ter que enfrentar a Coisa de novo) se reúne e volta aos esgotos para uma luta definitiva.
************* ALERTA DE SPOILERS *************
Agora, às bizarrices:
1) A Coisa veio do espaço
O maior choque do livro IT é que, em seus primeiros dois terços, ele é totalmente urbano e aí, no final, vira outra coisa. Sim, nós sabemos que a Coisa é sobrenatural, afinal ela é capaz de mudar sua forma de acordo com o que suas vítimas mais temem. Mas, ao longo do livro, a Coisa parece estar delimitada por regras bem mundanas: ela vive nos esgotos, sai deles em pontos específicos e só ataca crianças quando elas estão sozinhas.
Também sabemos, devido às investigações de Mike Hanlon, que a Coisa já mora em Derry há muitos anos e que seu ciclo de violência se repete a cada 27 anos (aproximadamente) pelo menos desde o século 18.
Tudo isso sinaliza uma espécie de ordem no caos que é a Coisa. Isso induz ao leitor a pensar que há algum fundamento pouco fantasioso no monstro. Seria um palhaço que morreu de forma terrível e virou essa criatura? Seria um demônio conjurado pelos cidadãos preocupados de Derry?
A explicação do livro é muito mais brochante, revelada quando os garotos inalam fumaça para ter visões. Dois deles têm um flashback de Derry na pré-história e testemunham a Coisa caindo do espaço em uma bola de fogo. Ela veio de algo chamado macroverso e passou milênios esperando os humanos colonizarem a cidade para poder, enfim, começar seu ciclo de violência. Faz pouquíssimo sentido.
2) O mundo em que vivemos foi vomitado por uma tartaruga
Se você achou o item anterior estranho, saiba que é só o começo. Quando as crianças descem ao esgoto para confrontar a Coisa, o monstro não é a única coisa que encontram lá. Também existe uma tartaruga, cuja origem não é explicada, que se mantém quieta e retraída em seu casco. Essa tartaruga é nada menos que a criadora do mundo – nosso universo foi vomitado por ela em uma crise de dor de barriga. Ah, e ainda existe uma terceira entidade, que criou a tartaruga.
Todos esses elementos são simplesmente jogados em IT e, para entendê-los, é preciso ir além no universo de Stephen King. A tartaruga é um personagem importante em A Torre Negra, onde é explicado que ela criou todo o universo em que se passam os livros do autor. É uma história meio viajada, mas que faz sentido dentro do contexto de fantasia de A Torre Negra.
No entanto, para um livro como IT, que se passa quase todo em cenários urbanos e apresenta problemas nada fantasiosos como bullies, pais negligentes e abuso infantil, o salto entre uma coisa e outra causa espanto.
3) A cidade inteira é a Coisa
Em um dos capítulos narrados pela própria Coisa, é explicado que a cidade de Derry foi influenciada por ela e moldada de modo a servir seu ciclo alimentar. Isso explica, por exemplo, por que tanta gente ignora a violência à sua frente (algo que é referenciado no novo filme) e por que o mapa dos sistemas de esgoto de Derry se perdeu. Também explica como a Coisa é capaz de possuir pessoas, como Henry Bowers e o pai de Beverly.
A Coisa está em todos os lugares.
4) A batalha final é psíquica, e não física
O livro narra as duas ocasiões em que o Clube dos Otários enfrentou a Coisa: em 1958, quando eram crianças, e em 1985, já adultos. Em ambas, o grupo usa o mesmo recurso para enfrentar o monstro: o Ritual de Chüd. Trata-se de um ritual nativo-americano em que é preciso morder a língua da Coisa e fazê-la rir.
No livro, esse ritual não é interpretado literalmente, e sim figurativamente: assim como a Coisa se alimenta do medo das crianças, a arma para vencê-la é usar a criatividade. Efetivamente, quando as crianças passam a imaginar que podem ferir a Coisa, elas conseguem.
Isso não impede, porém, que a batalha seja psíquica, com Bill se vendo em um plano universal e prendendo a língua da Coisa com sua própria boca. Para vencer, ele repete o treino que usa para vencer a gagueira – “Ele soca postes de montão e insiste que vê assombração”. Dá certo nas duas vezes: em 1958, eles machucam a Coisa, que foge. Em 1985, eles finalmente a matam.
5) Há uma cena de orgia infantil
Uma das coisas mais sem noção do livro é o que acontece depois que as crianças vencem a Coisa pela primeira em 1958. No caminho de volta, elas se perdem no esgoto escuro e entram em desespero. É então que Beverly, única menina do grupo, com 11 anos de idade, decide que sabe o que fazer para que todos fiquem unidos novamente: sexo.
Ela se despe e, um a um, ela convida os meninos a penetrarem-na. Eles obedecem, perdendo a virgindade coletivamente. No final, passado o sexo, um dos garotos se lembra do caminho e eles conseguem voltar em segurança.
Apesar de graficamente descrita, a cena não tem violência. Ainda soa doentio? Bem, lembre-se que esse livro foi publicado em 1986. Eis o que o autor teve a dizer a respeito em uma entrevista para seu site oficial:
“Eu não estava pensando muito no aspecto sexual do ato. O livro lida com infância e vida adulta – 1958 e Crescidos. Os adultos não se lembram de sua infância. Nenhum de nós se lembra do que nós fizemos quando éramos crianças – achamos que lembramos, mas não nos lembramos do jeito que realmente aconteceu. Intuitivamente, os Otários sabiam que precisavam se unir novamente. O ato sexual conecta a infância e a vida adulta. É outra versão do túnel de vidro que conecta as bibliotecas infantil e adulta de Derry. Os tempos mudaram desde que eu escrevi essa cena e hoje há mais sensibilidade em relação a essas questões.”
6) A coisa é capaz de ter “filhos”
No confronto final com a Coisa em 1985, os garotos, agora crescidos, voltam ao lar do monstro e encontram ovos. São os filhos da Coisa, ou algo assim. Não se sabe quanto tempo eles levariam para se desenvolver e nem o que eles se tornariam exatamente. Mas não há tempo para descobrir: Ben os pisoteia com violência e o monstro sente os golpes. No final, além de derrotar a Coisa, também somos certificados de que todos os ovos foram exterminados.
Ou será que não?
7) E alguns filhos podem ter sobrevivido
Há indícios de que a Coisa ainda esteja viva ou então, algum de seus filhos. No livro Dreamcatcher, que também se passa em Derry, o vilão é o alienígena Mr. Gray (a imagem acima é do filme de 2003). Ele deseja colocar esporos no sistema de água da cidade para infectar o município com o vírus alienígena e, posteriormente, o mundo. Ele deseja saber onde está a caixa d’água da cidade, mas o protagonista do livro, Jonesy, diz a ele que ela foi destruída em 1985 (nos eventos narrados no final de IT).
A certo ponto, Mr. Gray encontra uma placa que diz: “A todos aqueles perdidos na tempestade / 31 de maio de 1985 / E para as crianças, todas as crianças / De Bill, Ben, Bev, Eddie, Richie, Stan e Mike, com amor / O Clube dos Otários”. E embaixo da placa, escrito em grafite vermelho, há o seguinte dizer: “PENNYWISE VIVE”.
Além disso, em A Torre Negra, há um personagem chamado Dandelo que se alimenta das emoções dos outros. Muitos fãs acreditam que Dandelo e a Coisa sejam a mesma criatura ou, então, da mesma espécie. Como a Coisa botou ovos no final de IT e Derry meio que serve como um portal para a Torre, não é absurda a possibilidade de Dandelo ser um dos filhos da Coisa.
8) Stephen King estava bem louco quando escreveu
Nos anos 80, Stephen King era viciado em álcool e cocaína a tal ponto que ele chegava a precisar enfiar algodão no nariz para impedir que gotas de sangue caíssem em sua máquina de escrever. Ele ficava sóbrio por aproximadamente 3 horas por dia nessa época. Sua esposa se acostumou a encontrá-lo desmaiado em poças de vômito.
E foi nesse estado que King escreveu IT, Misery, Christine, Pet Sematary, Cujo e os primeiros volumes de A Torre Negra, entre outros best-sellers. Não à toa, um de seus temas recorrentes é o vício em álcool e a violência resultante. Esses maus hábitos cobraram seu preço: King já declarou, por exemplo, que não se lembra de ter escrito Cujo. Ele só foi ficar limpo (após muitas tentativas) nos anos 90.
Então, quando você estiver vendo IT nos cinemas, lembre-se: essa história foi escrita por um bêbado que acordava coberto de vômito.
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